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Domingo passado, após exercer o direito do voto, fui até um estabelecimento comercial para comprar o almoço. Procedimentos finalizados, ao abrir a porta do carro, ouvi vozes alteradas. Levantei os olhos e percebi que, subindo a calçada, um rapaz e uma moça discutiam. Acomodei as sacolas no banco do veículo, observando ele virar-se para a (provável) namorada e gritar, avançando em direção a ela. Minha reação foi instantânea: abaixei a máscara e perguntei, em alto e bom tom, se ela precisava de ajuda. Claramente assustada, sequer respondeu. Ao escutar o questionamento ele virou para o meu lado aos berros dizendo: "o que tu tem com isso"?
Rapidamente soltou a moça e correu ao meu encontro. Foi o tempo de trancar a porta. Mesmo com os vidros fechados, conseguia ouvir que ele repetia que eu não tinha nenhuma relação com aquele fato e não devia estar interferindo. Esbravejava isso socando os vidros e desferindo pontapés nos pneus. Com as pernas trêmulas, consegui acelerar e sair do local. Parte de mim estava aliviada pela moça que escapou (espero). Outra parte refletia sobre nosso posicionamento frente a situações semelhantes. Passei o resto do dia fechando os olhos e relembrando a cena.
Em nenhuma das vezes que o sucedido retumbava na minha cabeça, eu arredaria o pé de alguma forma de manifestação. Obviamente, ao repensar minha atitude, considerava outras possibilidades que poderiam ter sido mais seguras. Buzinar com o carro fechado para chamar a atenção das pessoas que poderiam estar passando por perto em busca de ajuda? Ligar para o 180 e denunciar? Mas ficar inerte, nunca. Simplesmente não consigo! Inclusive, já encomendei um colar, produzido por uma famosa marca de produtos femininos, que contém um apito, o qual pode ser acionado exatamente para denunciar situações de violência contra as mulheres.
A última vez que havia assistido tão perto uma situação de violência era muito jovem e estava em grupo. Recordo que éramos vários casais caminhando no calçadão de uma praia em uma noite de verão. De repente, rolando na areia uma moça recebia pontapés do seu namorado. Os gritos dela nunca saíram da minha cabeça: "eu vou contar para minha família o que tu faz comigo" ao que ele respondia "pode falar, ninguém vai acreditar em ti". Ao tentar correr para socorrê-la, os amigos seguraram meu braço e disseram a famosa frase "tu não tem nada com isso, não te mete!".
Não é mais possível nos mantermos em cima do muro, acreditando que não se mete a colher e depois nos manifestarmos nas redes sociais quando ocorrem os feminicídios. Provavelmente, antes da fatalidade, aconteceram outros sinais evidentes de violências (físicas, verbais, psicológicas e/ou morais). É preciso agir, mas não sozinhas. Necessitamos um movimento de indignação da sociedade como um todo. É fundamental rever a educação dos meninos nos espaços domésticos, escolares e públicos. Eles não são os donos da verdade e não podem tudo. Esse debate é urgente!
Meninas, por favor, ao menor sinal de violência, saiam da relação. Não tentem consertar o que não merece a atenção de vocês. Mulheres, se unam nessa luta. Homens, venham junto. Serão muito bem-vindos nessa reflexão sobre não violência de gênero.
A possibilidade de topar com uma violência contra as mulheres pertinho de você é grande, tendo em vista que os dados apontam crescimento durante a pandemia. E você, o que faria?